The Ugly Stepsister: O conto de fadas grotesco que você não esperava
Releitura grotesca de Cinderela aposta no horror corporal para criticar padrões de beleza

A história da Cinderela é uma das mais conhecidas e revisitadas da cultura ocidental — da versão açucarada da Disney às releituras sombrias dos Irmãos Grimm. Mas The Ugly Stepsister, produção norueguesa dirigida pela estreante Emilie Blichfeldt, rompe completamente com qualquer traço de delicadeza. O filme abraça o grotesco, o escatológico e o perturbador, e transforma o clássico conto de fadas em um verdadeiro pesadelo moderno. O vídeo acima é uma crítica feita por Lucas Maia, do canal Refúgio Cult.
A meia-irmã que protagoniza o terror

Diferentemente das versões tradicionais, a narrativa aqui é conduzida pelo ponto de vista de Elvira — a “meia-irmã feia” — interpretada por Lea Myren, conhecida por seu papel como Monica na série Kids in Crime.
Obcecada pela ideia de conquistar um príncipe e ascender socialmente, Elvira está disposta a tudo (literalmente) para alcançar seus objetivos. E quando dizemos “tudo”, é bom preparar o estômago: o longa mergulha em cenas de horror corporal, transformações físicas radicais e procedimentos esteticamente perturbadores.
Com sua mãe interesseira, Elvira tenta se infiltrar em um baile real, uma oportunidade para as jovens da região se casarem com homens ricos e poderosos. No entanto, o filme não trata esse clichê com leveza: o baile, os preparativos e os bastidores são retratados de forma crua, desesperadora e nojenta. Nada de sapatinho de cristal — aqui o caminho para a beleza passa por tênia (sim, o parasita), costura nos olhos e fraturas estéticas.
Subversão, escatologia e crítica social

The Ugly Stepsister não se limita a chocar por chocar. Ao contrário, a diretora Emily Bitchfelds — em seu primeiro longa-metragem — demonstra domínio ao desconstruir o mito da beleza ideal. Em tempos de obsessão por padrões estéticos e transformações corporais extremas, o filme dialoga com obras como A Substância, estrelado por Demi Moore, e oferece uma crítica feroz à sociedade da aparência.
Nesse processo, o elenco se destaca. Lea Miren, no papel de Elvira, entrega uma atuação visceral, exigente tanto física quanto emocionalmente. A atriz passa por uma transformação notável, lidando com cenas de grande intensidade e desconforto visual.
Minimalismo visual e impacto máximo

Embora o longa tenha um orçamento limitado e utilize poucos cenários, a ambientação é eficaz. O design de produção remete a um período histórico não especificado, mas com ferramentas rudimentares e práticas quase medievais. A estética suja e opressora casa perfeitamente com a proposta narrativa: tudo aqui é propositalmente feio, desconfortável e decadente.
A diretora também quebra outros elementos clássicos do conto, como a fada madrinha — substituída por um “fado madrinho” grotesco e abusivo — e a própria Cinderela, representada por Agnes (Thea Sofie Loch Næss,), uma jovem oprimida, sexualizada e relegada ao papel de serva pela nova família.
O filme choca, sim. Mas não gratuitamente. Há uma intenção clara por trás de cada cena de vômito, sangue ou transformação: mostrar o quão desumanizante pode ser a busca por aceitação, beleza e status social. Através de Elvira, vemos o quanto o desejo de pertencimento pode se tornar uma obsessão — com consequências trágicas e viscerais.
Mesmo com alguns pecados narrativos, como o desenvolvimento superficial de personagens secundários e relações pouco aprofundadas, The Ugly Stepsister é um experimento audiovisual ousado e eficaz. Pode incomodar, pode causar repulsa — mas dificilmente deixará alguém indiferente.
Nota do Refúgio Cult: ★★★★☆☆☆ (7.5/10)
Uma estreia surpreendente que une escatologia, crítica social e subversão de contos de fadas. Se Emilie Blichfeldt, decidir revisitar outras histórias infantis, o público que se prepare: a Branca de Neve nunca mais será a mesma.