Cabra Marcado Para Morrer (1984)

Crítica: Cabra Marcado Para Morrer

Lançado em 1984, Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, transcende o documentário tradicional para se tornar um dos maiores testemunhos cinematográficos sobre a repressão política no Brasil. Concebido originalmente como uma ficção inspirada na vida de João Pedro Teixeira, líder camponês assassinado em 1962, o projeto foi interrompido pelo golpe militar de 1964 e retomado quase duas décadas depois, com uma abordagem documental que lhe conferiu uma profundidade única.

A estrutura do filme reflete essa trajetória interrompida e retomada. Coutinho retorna às locações originais e reencontra os camponeses que participaram das filmagens interrompidas, sobretudo Elizabeth Teixeira (hoje com 100 anos), viúva de João Pedro.

A narrativa se constrói sobre os vestígios da memória, misturando imagens filmadas em 1964 com depoimentos de 1981, criando um poderoso choque temporal. Ao revisitar os protagonistas, o diretor não apenas reconstrói a história do líder camponês, mas também revela as feridas abertas por duas décadas de ditadura militar.

A força do documentário reside na forma como Coutinho humaniza seus personagens, dando voz a pessoas historicamente marginalizadas. Elizabeth Teixeira emerge como um símbolo de resistência, enquanto sua trajetória reflete as violências e perseguições sofridas por tantas famílias camponesas. O filme se desdobra como um testemunho vivo do impacto do regime militar, trazendo à tona as histórias daqueles que foram silenciados pela repressão.

Além da relevância histórica e política, o documentário se destaca pela abordagem cinematográfica inovadora. Coutinho rompe com as convenções do gênero ao inserir sua própria presença na narrativa, tornando-se personagem de sua investigação. Essa estratégia aproxima o espectador da realidade filmada, intensificando a carga emocional do relato. O uso de imagens de arquivo, combinadas com entrevistas intimistas e uma montagem que ressalta o contraste entre passado e presente, faz com que o filme se torne um registro essencial da memória coletiva brasileira.

Ao longo das décadas, Cabra Marcado para Morrer consolidou-se como um dos maiores documentários do cinema nacional, sendo amplamente estudado e referenciado. Sua relevância ultrapassa o contexto político em que foi produzido, permanecendo atual na denúncia das desigualdades sociais e na reflexão sobre os rumos da democracia no Brasil. Eduardo Coutinho, com sua sensibilidade e olhar aguçado para a realidade, entrega uma obra-prima que ecoa até os dias de hoje, reafirmando o poder do cinema como instrumento de resistência e transformação social.

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